Rafael Bluteau, Diccionario Castellano y Portuguez para facilitar a los castellanos el uso del Vocabulario Portuguez, y Latino, Vocabulário Portuguez e Latino, VIII, Lisboa Occidental, Na Officina de Pascoal da Silva, 1721, [6], 3-189.


O Diccionario Castellano foi publicado no final do oitavo volume do Vocabulario(1721), mas as licenças datam de 1716. A boa recepção aos primeiros volumes editados poderá justificar a inclusão deste instrumento facilitador da consulta, que garantia um horizonte de difusão muito mais alargado, não só a Espanha, mas também por parte dos castelhanos que viviam em Portugal.

A informação relativa à lingua castelhana é frequente ao longo do Vocabulario, sobretudo quando a sua inclusão abona palavras que também são comuns à lingua portuguesa, esclarecendo o significado, ou especificando particularidades semânticas que distinguem o emprego de um mesmo termo em cada uma das línguas. Assim, além de excertos literários e adágios, registam-se por vezes citações de dicionários castelhanos, sobretudo o Tesoro (1611) de Covarrubias.

Mais do que qualquer outro dos dicionários publicados no Supplemento, o «Diccionario Castellano» relaciona-se directamente com a nomenclatura do Vocabulario, desempenhando uma função similar à do índice de formas latinas do Vocabolario della Crusca, destinado aos estrangeiros que não dominassem o vernáculo que servia de língua de entrada. O latim revelava-se uma solução pouco eficaz para este fim específico, pois a nomenclatura do Vocabulario compreendia termos especializados que não tinham tradução na língua clássica. O castelhano, mais difundido no resto da Europa que o português, poderia cumprir essa função.

O Diccionario é antecedido pela «Prosopopeia del idioma portuguez a su hermana la lengua castellana», em que Bluteau recorda o parentesco e a semelhança entre as línguas ibéricas, bem como a prevalência do castelhano na literatura e na vivência cultural lisboeta:

«Yo, aunque zelador de mis expressiones, soy amigo, y panegyrista de las que en Castilla se usan. Todos los dias  resuena en los Theatros de Lisboa da discrecion de sus Comedias: en todas las fiestas, que en las Iglesias deste Reyno se celebran, constituinte sus Coplas, Villancicos, y Motetes se alientan las harmonias [...] No pretendo, que violente su natural, y se obligue a hablar Portuguez, quiero que quando yo le hablare, ella me entienda» (Voc., VIII, «Prosopopeia»: 4).

Apesar de a sua língua ser incontestavelmente prestigiada e cultivada, os castelhanos terão interesse em aprender o português por três motivos: conhecerão mais uma língua, a aprendizagem é facilitada pela semelhança entre os idiomas e «de la inteligencia de dicho idioma le resultarà utilidad» (ibidem: 4). Com esta última justificação, o autor pretende referir-se ao Vocabulario pois, no seu entender, não existe outra obra em castelhano que reúna o mesmo tipo de notícias, sobretudo a informação latina seleccionada com critérios filológicos e exposta de modo a auxiliar a composição literária.

«[…] y para aprovecharse los curiosos de dicha obra, puso el Autor al fin de ella este pequeño Vocabulario Castellano, y Portuguez [...] De este genero de libros estan los Portuguezes tan mal proveidos, como los Castellanos. En nuestros Diccionarios, que empieçan por nuestro Romance, cada diccion sale tan desnuda, y esteril, que ordinariamente solo apunta su natural sinificado, dexando en blanco los equivocos, y phrases, que podrian estender a muchas paginas su multiplicada acepcion. Estrechado de esta esterilidad, suspende el Compositor Latino la pluma, ò reccurriendo a terminos improprios, y barbaros desautoriza con mal Latin su doctrina. […] a la noticia universal de mi Vocabulario Portuguez, se acrecienta la utilidad de la lengua Latina, tan necessaria, como ya tenemos visto. Es verdad, que a los Castellanos serà preciso buscar las palavras Latinas por medio de las Portuguezas, mas para quien desea saber, no puede ser molesta, ni serà injuriosa esta mediacion» (Ibidem: 12-13).


O Diccionario castellano, y portuguez, com 125 páginas, reúne cerca de 22.500 entradas, o que é um número bastante significativo, quando comparado com as 24.500 do Tesouro de Bento Pereira. A nomenclatura segue de perto a do Vocabulario, registando topónimos, mitónimos e termos técnicos (e.g.: dynastia, dyscrasia, dysenteria, dyspepsia, dyspnea). A técnica de redacção dos artigos evidencia as semelhanças com o português, pelo facto de nem registar a tradução quando as formas são absolutamente coincidentes. À excepção de uma sucinta categorização (ciudad, animal, termino de…) as glosas contêm pouquíssima informação a respeito do significado, o que supõe a remissão para o Vocabulario:

Dabir. Ciudad. Id.

Dabuh. Animal. Id.

Dâcia. Region. Id.

Dacio. Imposto.

Dactylo. Id.

Dadivosidad. Liberalidade.

Dadivoso. Id.

Dado. Participio de dar. Id.

Dado para jugar. Id.

Dador. Id.

Daga. Adaga. Punhal.

Dalaca. Termino de la India. Id.

Dalaca.Isla. Id.

Dalmacia. Region. Id.

Dalmata. Id.

Dalmatica. Id.

Em geral, a informação apenas é ampliada nos casos de palavras que, adaptando a expressão de Bluteau, poderíamos designar como termos castelhanos “remotos” do português. Deste modo, o Diccionario auxiliaria os portugueses que buscassem o significado de palavras castelhanas, observando-se recursos típicos da dicionarística bilingue, como a sinonímia e descrição por paráfrase:

Acequia. Açude, ou fosso, ou cano de agoa.

Açorarse. Incharse. Ensoberbecerse. Levantarse a mayores. Dar pavonadas. Vid. Pavonada.

De facto, à época não existia em Portugal um dicionário bilingue que confrontasse o português e o castelhano, já que tanto o Compendium Calepini (1621) como a Prosodia in Vocabularium Trilingue (1637) não proporcionavam a tradução para todas as palavras e a língua de entrada era o latim. No caso da Prosodia, as poucas equivalências foram mesmo eliminadas a partir da edição de 1697. A utilidade do conjunto elaborado por Bluteau terá justificado uma reedição, em 1841, no Rio de Janeiro, noticiada por Inocêncio Silva (Dic. Bib., VII: 45).

 

in J.P. Silvestre, Rafael Bluteau e o Vocabulario Portuguez e Latino. Aveiro, 2006, pp. 357-369


Textos de acesso livre:

“Prosopopeia del idioma portuguez a su hermana la lengua castellana”

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  Diccionario Castellano (1712)
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